Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em22 de Março de 2022, no processo nº 24471/16.4T8PRT.P1.S2-A-RUJ
A existência de alojamentos locais em frações autónomas que integram prédios em regime de propriedade horizontal, nos quais existem frações afetas a habitação permanente, tem dado origem a diversos litígios judiciais.
Têm sido diversos os entendimentos doutrinais e jurisprudenciais sobre a questão de saber se é compatível a utilização de uma fração autónoma, integrada em prédio constituído em propriedade horizontal, como alojamento local, quando no título constitutivo de propriedade horizontal a mesma fração se encontrar afeta ao fim de habitação.
Por este motivo, surge a necessidade de estabilizar as decisões judiciais sobre a questão, na sequência do que é proferido pelo Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, de 22 de março de 2022.
A questão versada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência em análise consiste em saber se o exercício da atividade de alojamento local, regulada no Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29/08, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 63/2015, de 23/04, nas frações autónomas destinadas à habitação, segundo a menção que consta do título constitutivo da propriedade horizontal do prédio em que as frações se inserem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1418.º, n.º 2, alínea a), do Código Civil, constitui ou não, uso diverso do fim a que a fração se destina, o que é vedado aos condóminos, de acordo com o disposto no artigo 1422.º, n.º 2, alínea c), do já mencionado Código.
Nessa sequência, o Supremo Tribunal de Justiça debruçou-se sobre duas decisões judiciais contraditórias, a saber:
- o acórdão recorrido, que adotou o entendimento de que a atividade de alojamento local não integra o conceito de habitação como fim dado às frações autónomas, e como tal a fração autónoma destinada a habitação não pode ser utilizada para alojamento local, por violar o fim a que se destina a fração, segundo o título de propriedade horizontal e o regulamento do condomínio do prédio.
- o acórdão fundamento, que adotou o entendimento de que a fração autónoma destinada a habitação pode ser utilizada para alojamento local por não violar o estatuto da propriedade horizontal, o alojamento local respeita o título de propriedade horizontal onde conste que determinada fração se destina a habitação, exista uma fração.
O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência assumiu a seguinte posição:
“No regime da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo de que certa fração se destina a habitação, deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização de alojamento local.”, entendendo-se ser esta a orientação mais conforme ao espírito do sistema jurídico e às normas legais que regulam a propriedade horizontal e o alojamento local.
Assim, se vier mencionado no título constitutivo da propriedade horizontal, registado no registo predial, que determinada fração se destina ao uso para habitação como centro da vida doméstica, independentemente de a licença de utilização se reportar a uma menção genérica de “habitação”, não se pode concluir que qualquer utilização dessa fração que comporte pernoitar ou descansar, independentemente do modo como ela ocorre ou se organiza, deve ser lícita.
No título constitutivo da propriedade horizontal, o fim dado às frações autónomas é de habitação. Este fim específico deve ser interpretado no sentido em que “habitação”, significa que a fração tem uma função económico-social de servir de residência para pessoas e agregados familiares, proporcionando-lhes o sossego, a tranquilidade, a segurança e o conforto requeridos por qualquer economia doméstica (cf. artigo 236º/1 do Código Civil).
O conceito de habitação é qualitativamente distinto do conceito de alojamento local, isto porque uma fração habitacional tem um caráter de tendencial estabilidade de quem utiliza a mesma, ao passo que o alojamento local se caracteriza por sucessivos e diversos utilizadores, transitórios, sendo volúvel e disseminado, com repercussões qualitativamente diferenciadas no meio habitacional em que se desenvolvem.
Em consequência, se no título constitutivo o de propriedade horizontal, vier mencionado o fim a que se destina determinada fração – habitação –, e nessa fração vier a ser explorado o alojamento local, qualquer condómino tem o direito de se opor à utilização dessa fração para fim diverso ao que lhe foi destinado no título constitutivo (cf. artigo 1422.º, n.º 2, alínea c) Código Civil).