CONVENÇÕES DE DUPLA TRIBUTAÇÃO: GUIA PRÁTICO

Os Acordos para evitar a Dupla Tributação são convenções internacionais bilaterais destinadas a impedir que o mesmo facto jurídico, gerador de imposto, seja tributado duas vezes.

Às convenções, cujo objetivo inicial era eliminar a dupla tributação e a evasão fiscal, foram sendo acrescentados outros objetivos, como por exemplo: combater a dupla não tributação, eliminar a discriminação, assegurar a troca de informações, prevenir e combater e o branqueamento de capitais, entre outras. Não obstante algumas diferenças, as diversas Convenções de Dupla Tributação têm um conjunto de normas que se vão repetindo e das quais se destacam:

  • Os lucros de uma empresa (art.º 7º da CMOCDE) de um Estado contratante só podem ser tributados no Estado de Residência, a não ser que a empresa exerça a sua atividade noutro Estado contratante por meio de um estabelecimento estável [1]. Neste caso, os lucros podem ser tributados no outro Estado, mas apenas na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável.[2]

  • Quando um residente de um Estado Contratante obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nos Acordos para evitar a Dupla Tributação, possam ser tributados no outro Estado Contratante, o primeiro Estado deduzirá do imposto sobre os rendimentos desse residente uma importância igual ao imposto pago no outro Estado Contratante.

RENDIMENTOS DOS BENS IMOBILIÁRIOS

De acordo com o art.º 6º da CMOCDE, os rendimentos provenientes de bens imobiliários (incluindo os rendimentos das explorações agrícolas ou florestais) são tributados pelo Estado da Fonte.

Este método aplica-se, inclusive, aos rendimentos provenientes de bens imobiliários detidos por empresas. Assim, há situações em que esta norma prevalece sobre o art.º 7º da CMOCDE, devendo os rendimentos do imóvel ser tratados de forma destacada face aos rendimentos empresariais. Na prática, isto pode levar a que um estabelecimento estável, mesmo que tenha prejuízos, possa ser tributado pelos rendimentos gerados pelos bens imobiliários.[3]

DIVIDENDOS

Relativamente a este tipo de rendimentos, a Convenção limita a capacidade do Estado da Fonte, aplicando-lhe uma taxa máxima de tributação. O benefício decorrente desta provisão só se aplica se a pessoa que recebe os dividendos for o beneficiário efetivo dos mesmos. Não pode ser uma interposta pessoa, um mero mandatário, nem alguém que esteja contratualmente obrigado a transferir imediatamente os direitos para outra sociedade, nem alguém interposto naquela operação unicamente com o propósito de receber os dividendos.[4]

JUROS

No caso dos juros, quem os recebe tem de ser sempre um residente num Estado Contratante, mas quem paga os juros pode ou não ser residente no Estado Contratante. Mesmo em situações em que os dividendos são devidos por um estabelecimento estável, pode ser aplicado o art.º 11º da CMOCDE.[5]

ROYALTIES

De acordo com o art.º. 12º da CMOCDE, quando há dupla tributação de royalties, a regra é a tributação unicamente na Residência.[6] O artigo é de aplicação simples, o problema está na delimitação do próprio conceito de royalties, que é difícil de isolar (pois aparece associado a outros rendimentos). Em termos de dinâmica é muito semelhante aos artigos anteriores.

MAIS-VALIAS

Se houver uma cessão temporária dos direitos de autor (licenciamento), aplica-se o art.º 12º da CMOCDE. Se houver uma alienação total dos direitos (diferente da licença, pois nesse caso quem licencia continua a ser o proprietário desses direitos), o enquadramento é feito no art.º 13º da CMOCDE.

Esta regra geral tem algumas exceções. Quando não estamos perante mais valias imobiliárias, mais-valias mobiliárias ligadas a um estabelecimento estável, venda de navios ou aeronaves e venda de ações que tenham na sua base valor dos bens imobiliários, a tributação é feita unicamente no Estado da Residência.[7]

PERCENTAGENS DOS MEMBROS DE CONSELHOS

De acordo com o disposto no art.º 16º da CMOCDE, poderá haver tributação no local de Residência do administrador e, também, no Estado de Residência da sociedade, que corresponde ao Estado da Fonte. Isto acontece porque muitas vezes não se sabe onde é que os rendimentos dos administradores são obtidos. Para simplificar permite-se a atribuição da competência tributária ao Estado de Residência da sociedade.

EM RESUMO

As regras de limitação de competência no Estado da Fonte podem ser distribuídas em 4 grupos distintos, consoante a limitação que impõem ao Estado da Fonte:

1) Dentro das categorias de rendimento e de património que podem ser tributadas sem qualquer limitação no Estado da Fonte entram os lucros de um estabelecimento estável nesse Estado (art.º 7º da CMOCDE).[8]

2) De seguida, dentro das categorias de rendimentos que podem ser sujeitos a tributação limitada no Estado da Fonte estão os dividendos e os juros (artigos 10º e 11º da CMOCDE).

3) Dentro das categorias de rendimento ou de património que não podem ser tributados no Estado da Fonte, sendo apenas tributáveis no Estado de Residência, incluem-se os royalties, os ganhos provenientes da alienação de valores mobiliários e os lucros das empresas que não sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado no Estado da Fonte (artigos 12º, 13º, n.º 5, 7º, n.º 1 da CMOCDE).

4) Quando um residente de um Estado Contratante obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nos Acordos para evitar a Dupla Tributação, possam ser tributados no outro Estado Contratante, o primeiro Estado deduzirá do imposto sobre os rendimentos desse residente uma importância igual ao imposto pago no outro Estado Contratante. A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fração do imposto do primeiro Estado, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos tributados no outro Estado, ou seja, a dedução nunca ultrapassa o valor já pago no outro estado contraente.

 

[1] Neste grupo de rendimentos, o Estado da Fonte não está limitado, pode tributar plenamente esses rendimentos de acordo com a sua legislação nacional. Se há uma situação de dupla tributação relativamente a este tipo de rendimento, a convenção permite ao Estado da Fonte tributar sem qualquer tipo de limitação. Não havendo limitação na Fonte, ficará a cargo do Estado de Residência compensar esta dupla tributação.
[2] O termo ‘royaltie’ é muito abrangente: «O termo “royalties” usado neste Artigo, significa as retribuições de qualquer natureza atribuídas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, de uma patente, de uma marca de fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um plano, de uma fórmula ou de um processo secreto, ou por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico.»
[3] Se estivermos numa destas exceções, o regime de tributação varia. No primeiro caso (mais valia imobiliárias) a tributação é realizada no Estado de Residência e da Fonte, no segundo (mais valias mobiliárias ligadas a um estabelecimento estável) também, no terceiro (venda de navios ou aeronaves) a tributação é realizada no Estado da Residência do Estado que detém os navios ou aeronaves.
[4] Um exemplo desta situação encontra-se na Convenção de Dupla Tributação acordada entre Portugal e o Reino Unido, quando, no seu art.º 11º, prevê a legitimidade de tributação do Estado de Residência e do Estado da Fonte, mas, relativamente a este último, “o imposto (…) não excederá 10% do montante dos juros”.
[5] Por exemplo, o art.º 11º da Convenção de Dupla Tributação celebrada entre Portugal e França prevê que os dividendos podem ser tributados no Estado de Residência e no Estado de Residência da sociedade, mas, neste último, “o imposto assim estabelecido não excederá 15% do montante bruto dos dividendos”.
[6] O termo ‘dividendos’, presente no art.º 10º da CMOCDE, refere-se aos rendimentos provenientes de ações, bónus de fruição, partes de minas, partes de fundador ou outros direitos, assim como os rendimentos derivados de outras partes sociais sujeitos ao mesmo regime fiscal que os rendimentos de ações pela legislação do Estado de Residência da sociedade que os distribui.
[7] Estabelecimento estável (EE) é apenas um teste para determinar se a atividade da multinacional não residente é suficientemente expressiva de modo justificar uma forma de tributação semelhante às sociedades residentes. Este teste assenta em vários elementos, ou seja, conclui-se que existe um EE se existir uma instalação física que preencha certos requisitos, se existir um projeto que também obedeça aos requisitos estabelecidos no art.º 5º da CMOCDE, ou então se existir um EE chamado ‘agência’.
[8] Assim o entende o art.º 7º da Convenção de Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Brasil, ao prever que, por norma, é o Estado de Residência da sociedade que pode tributar os lucros da empresa, a não ser que esta exerça a sua atividade noutro Estado contratante através de um estabelecimento estável.

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